Aproveitando a crise para construir um novo Brasil
Postado em: 30 março, 2020
Por Paulo Roberto Barbosa Ramos – Professor Titular do Departamento de Direito da UFMA.
As grandes crises nacionais e
globais maltratam e matam seres humanos e, inevitavelmente, desorganizam as
economias. Por outro lado, são sempre oportunidades para construir um ambiente
institucional e social melhor em sociedades ainda não desenvolvidas.
Sendo verdadeiras as
afirmações acima, podemos aproveitar a o quadro crítico pelo qual estamos
passando para rever o nosso modelo de organização institucional e social.
Já faz tempo que nos sentimos
incomodados com governos incapazes de resolver o grave problema da desigualdade
no Brasil, ocasionado pelo descaso e falta de boas iniciativas na educação,
saúde, infraestrutura urbana, para só citar alguns, que condenam milhares de
pessoas a não terem a possibilidade de uma vida decente.
As promessas feitas e a ações
desenvolvidas nos últimos trinta anos foram paliativas. Primeiro com a
instituição de bolsas, insuficientes, em larga medida, para retirar as pessoas
da pobreza, uma vez que não foram estabelecidas regras rigorosas de transição a
partir da implementação de serviços públicos capazes de preparar pessoas
esquecidas durante décadas para superar as suas limitações. Segundo, com o
desenvolvimento de políticas que foram incapazes de combater uma burocracia
predatória dos recursos públicos ou mesmo lançar mão de recursos tecnológicos
disponíveis para evitar o uso indevido dos recursos disponíveis, priorizando,
assim, o essencial para a criação de uma infraestrutura para o desenvolvimento
do país.
O certo é que há décadas o
país não é planejado. Não sabemos o que queremos. As nossas leis e ações são
sempre reativas e oportunistas. É chegado o momento de termos um projeto de
país. Para isso precisamos saber o que temos, o que somos, do que dispomos e o
que precisamos ser a partir do que possuímos para assegurar condições de vida adequadas para todos os brasileiros. Isso imporá uma
análise criteriosa sobre o nosso sistema legal, sobre os serviços que
oferecemos e sobre a nossa infraestrutura de serviços públicos. Trata-se de um
trabalho fácil e difícil ao mesmo tempo, porquanto depende fundamentalmente da
vontade dos atuais governantes e do desenvolvimento de uma consciência cívica.
A função dos governantes não é
somente ter senso de responsabilidade cívica, mas também desenvolvê-lo nos
cidadãos. Para isso, as autoridades precisam dar exemplo. Nos últimos anos não
percebemos esse compromisso. O Brasil foi degradado pela corrupção praticada
justamente por aqueles que deveriam combatê-la. Não bastasse isso, após o
afastamento de muitos mafiosos dos postos decisórios da República, era de se
esperar que os seus substitutos correspondessem aos anseios do povo brasileiro,
não somente combatendo a corrupção como também conduzindo de forma racional um
grande projeto nacional para a superação das nossas inaceitáveis limitações,
decorrentes, em larga medida, de estruturas corroídas e defasadas por
comportamentos inadequados e estruturas tecnológicas ultrapassadas.
O atual sistema político não
tem possibilitado o enfrentamento adequado do maior desafio da nossa geração
que é a pandemia do COVID-19. Isso é absolutamente degradante para a nosso país
e não contribui para vencer os grandes desafios em tempo relativamente pequeno
em um mundo que oferece soluções muito mais rápidas que no passado, mesmo que
se discuta todas as consequências decorrentes dos fabulosos avanços
tecnológicos que estamos experimentando.
Como primeira medida para que
o Brasil possa superar grandes desafios, precisamos rever o nosso sistema
político. Um país como o Brasil não suporta mais o presidencialismo. Não
podemos ficar reféns de políticos voluntaristas dentro de um sistema político
esquizofrênico que há muito já demonstrou seus defeitos e limitações.
A implantação definitiva do
parlamentarismo no Brasil, com a restrição a quatro partidos políticos, capazes
de reunir tendências de direita e de esquerda e de centro, são suficientes para
garantir governabilidade e obedecer o comando constitucional do pluripartidarismo.
O governo das capitais, assim como do Distrito Federal, poderia muito bem ser
exercido pelo primeiro ministro e pelos governadores, ajudando a diminuir gastos
desnecessários com a sobreposição da máquina pública nesses locais,
extinguindo-se ao mesmo tempo a Câmara Distrital e de vereadores desses lugares,
cuja as atribuições poderiam ser absorvidas pelo Congresso Nacional e pelas
Assembleias Legislativas.
Os governadores, da mesma
forma que o primeiro ministro, poderiam ser escolhidos entre os deputados
estaduais eleitos, eliminando-se a figura de suplentes e fazendo-se uma nova
eleição para o distrito cujo deputado tenha sido escolhido para governar o
estado. Neste item, vale ressaltar a importância de diminuir o número de
deputados por estado, adotando-se um sistema distrital puro e, da mesma forma,
reduzindo-se o número de senadores para dois, eleitos pela mesma sistemática
atual e com o mesmo período de mandato.
Faz-se necessário a revisão
do número de municípios, mantendo-se apenas os viáveis economicamente,
eliminando-se concomitantemente, obviamente, câmaras de vereadores, já que
atualmente contamos com órgãos de fiscalização cada vez mais profissionalizados,
a exemplo do Ministério Público e dos técnicos dos Tribunais de Contas, os
quais devem lançar mão cada vez mais dos recursos tecnológicos para
fiscalização em tempo real dos gestores públicos. Neste ponto, os Tribunais de
Conta da União e Estados, deveriam ser transformados em Tribunais
Administrativos, integrados por auditores, indicados pelo Congresso Nacional e
Assembleias Legislativas para mandato de oito anos, após os quais retornariam
para suas funções originais.
No âmbito do sistema de
justiça faria muito bem a extinção das justiças do trabalho, militar e
eleitoral e correspondestes Ministérios Públicos, aproveitando-se os recursos
humanos em outros órgãos.
Qual o sentido de uma justiça
do trabalho hoje diante de reformas que dão mais autonomia às empresas e
empregados; qual o sentido de uma justiça militar específica, com os gastos que
correspondem às suas atribuições, se o Superior Tribunal de Justiça pode ter
uma Turma ou Câmara com especialização nessa matéria, inclusive com a
participação de militares. Qual o sentido de um Tribunal Superior Eleitoral e
de Tribunais Regionais Eleitorais, se a atuação desses órgãos é eminentemente
administrativa, podendo-se reservar a solução de litígios para uma câmara de
juízes federais e estaduais, em períodos de eleição, em câmaras específicas nos
próprios Tribunais de Justiça. Qual o sentido de um Poder Judiciário do
Distrito Federal e de um Ministério Público do Distrito Federal quando essas
atribuições poderiam ser desenvolvidas pela Justiça Federal comum e pelo
Ministério Público Federal justamente na capital federal onde há mais recursos
para o bom funcionamento da absorção dessas responsabilidades, O que percebemos
é uma falta de compromisso com o dinheiro público. São criadas e mantidas
estruturas burocráticas que não estão a serviço da nação, mas dos próprios
servidores.
Não devemos esquecer que no
Brasil há uma competição entre instituições pelo protagonismo, o que ocasiona a
sobreposição de tarefas. Um exemplo disso é a Defensoria Pública que hoje
concorre com o Ministério Público em várias áreas. Melhor seria a
racionalização das atribuições. A criação de agências administrativas para dar
a palavra final em questões específicas, com a limitação da atuação desenfreada
do Poder Judiciário seria ideal. O mesmo devemos dizer das Forças Armadas, que
muito poderiam ser aproveitadas na área tecnológica, defesa inteligente com um
contingente cada vez menor e trabalhando em larga medida com instituições
científicas da sociedade civil.
No final da ponto, já passa
da hora de criarmos uma corte constitucional, conferindo-se aos juízes um
mandato não superior doze anos, eleitos todos por maioria de dois terços do
Senado Federal, após indicação do presidente da República, eleito por maioria
de dois terços do Congresso Nacional, devendo repousar sobre pessoa de elevada
estatura moral e intelectual.
A racionalização dos sistemas
político e de justiça é premente. Precisamos investir mais em tecnologia e na
burocracia essencial, que deve ser altamente profissionalizada e bem
remunerada, podendo o poder público, para demandas específicas, contratar por
tempo determinado, cidadãos para desenvolverem essa tarefa, desde que
participem de cursos permanentes que devem ser oferecidos.
Queremos é um país que tenha
condições de aproveitar os
extraordinários recursos disponíveis na Amazônia, dando-lhes efetivamente valor
agregado e garantindo qualidade de vida a seus habitantes, preservando ao mesmo
tempo essa fantástica área do Planeta. Queremos um país que resolva de forma
definitiva o problema da seca do Nordeste e invista na irrigação, garantindo
emprego e renda a seus habitantes. Queremos cidades organizadas, com moradias
adequadas nas regiões Sudeste e Sul, garantindo qualidade de vida a sua
população. Queremos a região Centro Oeste cada vez mais forte, investindo de
forma racional na sua vocação pecuária e agrícola.
Vamos pensar no Brasil e nos
brasileiros.
Precisamos ter em mente que
todos temos uma grande dívida com o Brasil. Ele precisa se tornar uma grande
nação. As desigualdades atuais só têm corroído a virtude cívica. Faz-se
necessário superar esse elemento de corrosão da nossa unidade, desenvolvendo o
mais rápido possível um senso de comunidade, buscando todos os meios para
incentivar os brasileiros a se preocuparem com o todo, dedicando-se ao bem
comum.
Para isso, devemos nos
comprometer com investimentos que contribuam para a criação de uma
infraestrutura cívica, formada por escolas públicas para as quais, ricos e
pobres, igualmente, gostariam de mandar os seus filhos; sistemas públicos de
transporte confiáveis e capazes de atrair os cidadãos mais ricos; hospitais, praças, parques, museus e
bibliotecas capazes de estimular as pessoas ricas e pobres a usufruir desses
espaços como grande incentivo ao fortalecimento de uma sociedade democrática.